Reprodução: LANCENET
Em entrevista exclusiva ao LANCENET!, goleiro comenta sobre
o fim da carreira, analisa o atual time do Tricolor e fala sobre a contratação
de Rivaldo
Alexandre Lozetti
Rogério Ceni não quer parar de jogar futebol. O assunto,
nitidamente, o incomoda. Será um sofrimento inevitável. Mas ele vai parar no
fim do ano que vem caso o São Paulo não reencontre o caminho dos títulos.
Em entrevista ao LANCENET!, o maior ídolo da história
tricolor, pela primeira vez, fez previsões concretas sobre o fim da carreira. E
condicionou a decisão às conquistas, às quais tanto se acostumou na fase áurea
do time, entre 2005 e 2008. Foram três títulos brasileiros, um Paulista, uma
Libertadores e um Mundial de Clubes.
Duas temporadas sem erguer troféus tiram o sono do goleiro.
Fisicamente, ele está em perfeito estado. Neste domingo, contra o Santos, vai
disputar o 74 jogo consecutivo.Tecnicamente também se vê em condições de atuar
em alto nível. Mas o atual contrato, com término em dezembro de 2012, só será
renovado com uma condição.
– Eu me cuido para tentar estender ao máximo, mas chegou um
momento da minha vida em que só farei isso se ganhar títulos. Se o São Paulo
não voltar a ser vencedor em 2011 e 2012, eu paro.
Ceni tem na ponta da língua a receita para a equipe
melhorar. O semblante cansado após treinar sob 33 graus não o impediu de listar
as necessidades: competitividade, companheirismo, confiança, um lateral-direito
e um atacante. E sempre se incluindo nas cobranças.
– Temos de ser mais atletas, nos concentrar mais no que
estamos fazendo, sempre ligados na partida.
Rogério também falou de suas marcas, da Copa do Brasil e
admitiu a possibilidade de ser presidente do São Paulo no futuro. Técnico? Não!
LANCENET!: De que marca se orgulhará mais? Cem gols ou mil
jogos?
ROGÉRIO CENI: Tenho 952 jogos e 96 gols, é muito próximo,
muda o arredondamento, ganha proporção. Não sei se os gols vão chegar, ou
quando. Os mil jogos vão chegar porque me condiciono bem para isso. As duas
marcas são importantes, mas secundárias. Quero ver quantos títulos ganho antes
dos mil jogos. Já passamos por muita coisa antes disso, as marcas acontecem
porque o São Paulo funciona. Ganhou em 2005, 2006, 2007 e 2008. Em 2009 batemos
na trave. Mas 2010 foi ruim. Temos de ver o que precisamos fazer para os
títulos virem e comemorar as marcas com grandes conquistas coletivas.
L!: Já sabe o que precisam fazer?
RC: Ser mais competitivo. O grupo não mudou muito em relação
ao ano passado. Então já vimos que se for o mesmo grupo com o mesmo nível de
competitividade, não dá. E precisamos de um lateral-direito e um homem de
frente, para que o treinador possa ter mais variações. Se o Jean se machucar, o
que fazemos na lateral direita? Não temos outro jogador com essa característica
e, se você desarticula um lado, perde muito, tem de improvisar. E também temos
de ser mais atletas.
L!: O que é “ser mais atleta”?
RC: Competir mais, estar mais ligado no jogo. Ir, voltar, a
zaga acompanhar. Não podemos jogar com quatro caras parados na frente e os
outros quatro com a bunda lá atrás. Temos de compactar as linhas, jogar com uma
diferença de 30, 40 metros. Temos de ser mais companheiros dentro de campo para
ter um conjunto. O time não conseguiu resultados, mas a vantagem é que se
manteve, os atletas se conhecem.
L!: O São Paulo relaxou depois de quatro anos de conquistas?
RC: Acredito que o atleta de futebol não se concentra muito
nisso. O jogador vive de acreditar no grupo, motivação, confiança. Você ganha
cinco seguidas, mantém a confiança em alta. Tem de ganhar sempre.
L!: Um clássico como o de hoje amplifica isso? Dá mais
confiança?
RC: Para mim, muda ganhar ou perder. Eu vivo da vitória,
encaro todos da mesma maneira. O que muda é a derrota. Muda ambiente,
comportamento individual, confiança em si e no time, no projeto de um
campeonato longo. Em 2011 o São Paulo precisa de um título e voltar para a
Libertadores. Não sei se vamos conseguir, mas é nossa obrigação, é o mínimo
pensar assim. Não é cabível para o São Paulo, com essa estrutura, ficar fora da
Libertadores.
L!: Esse ano são três chances para voltar à Libertadores.
Isso aumenta a obrigação?
RC: Clube grande tem de encarar assim, sem pressão, mas como
obrigação. Agora, é muito ilusório. A Sul-Americana e a Copa do Brasil você tem
de ganhar, não adianta chegar à final. E o Campeonato Brasileiro é o torneio
mais importante do país, o mais gostoso, envolve um período mais extenso,
absorve erros porque permite dar a volta por cima. Na Sul-Americana e na Copa
do Brasil, um erro é fatal.
L!: Esses dois títulos você não tem. Fascina a possibilidade
de ter, a essa altura, conquistas inéditas?
RC: O que me fascina é entrar em campo e ganhar, seja qual
for a competição. Até o Paulista. As outras são mais importantes porque te
levam a algum lugar. A Sul-Americana é um título internacional, tem repercussão
até na Europa. A Copa do Brasil também tem uma abrangência grande no país. Elas
levam a algo maior.
L!: Algumas pessoas entenderam que você menosprezou a Copa do
Brasil quando falou de Macapá.
RC: Acontece que há bons e maus jornalistas, assim como bons
e maus jogadores. Há pessoas que vivem de criar fatos. Eu fiz uma comparação
que preferia Maracaibo (cidade da Venezuela) a Macapá (capital do Amapá) no
sentido de que preferia disputar a Libertadores do que a Copa do Brasil. Não
por causa da cidade, do país... Pergunte a qualquer jogador e terá essa resposta.
Eu adoraria jogar as duas ao mesmo tempo, como era antigamente. São jogos de
mata-mata, não são tão desgastantes. Se você juntar a Copa do Brasil e a
Libertadores, dá o mesmo número de jogos do Campeonato Paulista, que não te
leva a lugar algum. É importante, mas tem seu fim ali, não classifica para
outra competição.
L!: Quão importante é para o São Paulo manter o Alex Silva no
time?
RC: Nem sei quanto vale, mas ter um zagueiro da qualidade do
Alex, se houver possibilidade, não pode perder. É adaptado ao clube, o torcedor
gosta, confia, um baita jogador, competitivo, é importantíssimo para o clube.
Vale a pena um esforço. Já perdemos o Miranda, que só não falo em ser uma perda
irreparável porque ninguém é insubstituível, mas são os dois melhores do país.
O único zagueiro no Brasil que vejo em condições de substituir o Miranda é o
Rhodolfo, do Atlético-PR, que tem muita qualidade.
L!: Nem você será insubstituível?
RC: Com certeza não. Amanhã eu saio, vem outro, vai fazer,
acontecer, o São Paulo vai ganhar, perder.
L!: Mas seu substituto vai sofrer...
RC: Assim como eu sofri para substituir o Zetti, um goleiro
fantástico que tinha história. Depende muito. Se ele pegar uma equipe
preparada, começa e vai embora. Se não houver títulos, uma fase difícil, vai
sofrer um pouco mais, mas passa. Eu achei que o Raí era insubstituível. Você
pode não ter mais o talento do cara, mas o São Paulo voltou a ser campeão do
mundo depois dele.
L!: Recentemente o Ronaldo disse que estava de saco cheio do
futebol. Você também se sente assim?
RC: Não na minha atividade. A concentração no dia anterior
não me incomoda, pelo contrário. Eu aproveito, descanso, me recupero. Ainda
gosto disso, me sinto bem. Adoro treinar, aqui é fantástico, tem estrutura. Eu
gosto de jogar futebol e me sentir atleta. Algumas coisas chateiam, como ter de
jogar numa área cheia de areia e buracos, como no último jogo (no Estádio Décio
Vitta, em Americana). Ou usar a bola do Campeonato Paulista, que é horrível,
pesada, seca. Jogar às 15h contra o Ceará sem necessidade. A gente lamenta
algumas coisas, mas adoro o que faço. Por mim faria até os 50 anos, mas uma
hora sei que não terei condição de acompanhar.
L!: Já definiu quando será a hora?
RC: Não. A princípio me preparo para estar bem até dezembro
de 2012, no fim do meu contrato. Eu não poderia assinar e não cumprir em boas
condições. Mas vai depender muito do que vamos produzir em 2011 e 12. Se a
gente ganhar, conquistar títulos, acho que me motivo para continuar. Se eu ver
que não consigo mais fazer o time vencedor, talvez seja momento de abrir mão e
dar oportunidade para um próximo.
L!: Mas isso não é jogar responsabilidade excessiva sobre
você?
RC: Eu tenho isso comigo. Para continuar depois de 2012, só
se o São Paulo ganhar. Se o time não voltar a ser vencedor, paro em dezembro de
12.
L!: Você parou de jogar. O que vai fazer primeiro no dia
seguinte?
RC: Eu não parei (risos). Minha cabeça não chegou a isso,
não trabalha. Mas vai ser um dia muito difícil, de incertezas, inseguranças,
porque minha vida é jogar futebol, vir aqui todos os dias, trabalhar. Acho que
grande parte de mim vai morrer junto com o futebol. Tenho convicção disso, por
isso não gosto de pensar em parar e tento estender ao máximo. Mas chegou um
momento da minha vida em que só vou estender se ganhar títulos. Se o São Paulo
não voltar a ser vencedor em 2011 e 2012, então chegou a hora de parar.
L!: Eu ia perguntar mais uma vez sobre ser presidente, mas
parece que você vai deixar o São Paulo antes do Juvenal Juvêncio, não é?
RC: A probabilidade é enorme. Mesmo que não pare em 2012,
jamais passaria de 2013 ou 14. O Juvenal vai chegar à Copa, eu provavelmente
encerro minha carreira antes. Mas se um dia eu achar que há possibilidade de
trabalhar no clube, pode ter certeza de que só ocuparia esse cargo, de
presidente. Não trabalharia no clube sem autonomia necessária para implantar
meu raciocínio. Veja o que aconteceu com o Zico, um cara sério, correto, maior
jogador da história do Flamengo. Não consegue implantar um trabalho e tem de
sair por situações... Se for para errar, quero errar com meu pensamento, o que
aprendi na carreira, o que sei ser certo ou errado.
L!: Não seria diretor nunca, então?
RC: Talvez com um presidente que eu confiasse muito, e
independência para trabalhar, eu até poderia assumir o departamento de futebol.
L!: O Juvenal é um presidente em quem você confia?
RC: Nesses próximos anos não serei nada além de atleta no
São Paulo. Mas gosto muito do Juvenal como presidente. Não sei se é certo ou
errado esse negócio da reeleição, mas tem de tirar o chapéu para ele. Você foi
a Cotia ontem (na apresentação do Rivaldo)? Ele é idealizador, fez o São Paulo
crescer muito. Não existe na Europa algo próximo do que é o CT de Cotia em
termos de infraestrutura, campos, alimentação, academia. Acho que o São Paulo
forma muito pouco jogador pelo grau de investimento que tem ali. Teria de sair
muito jogador. O Juvenal é o cara mais preparado para esse cargo.
L!: Nunca pensou em trabalhar na formação de jogadores?
RC: Acho que não teria paciência. Hoje não visualizo. Temos
gente capacitada para isso, como o professor Sérgio (Rocha, preparador físico),
o Milton Cruz, que é muito bom para descobrir talentos, os que estão em Cotia.
São pessoas de olho bom e paciência para trabalhar com jovens.
L!: E técnico? Nem pensar?
RC: Minha maior preocupação é ser técnico do São Paulo, o
time perder três e me chamarem de burro. Você se dedica a vida inteira a um
clube e em três jogos vira burro? Em outro time, mesmo que ganhasse, iriam
xingar. E pior do que burro (risos).
L!: Sabia que desde 2004, quando o César Sampaio jogou na
equipe, não havia um jogador mais velho do que você? Agora há o Rivaldo.
RC: É mesmo? Fico contente, deixa eles com o apelido de avô,
tio... É fundamental ter exemplos positivos e o Rivaldo mostrou ao longo da
carreira ser exemplo de profissional, atleta e cidadão. Principalmente num
clube que tem como grande objetivo formar jogadores. Os meninos de 17, 18, 19
anos têm de subir e ter exemplos de seres humanos que venceram na vida. O
Rivaldo foi eleito melhor do mundo, ganhou uma Copa, é dedicado, tranquilo.
Quando alguém mostra coisas positivas pode agregar muito mais do que grandes
jogadores que não passam algo bacana para a vida. É mais fácil seguir o cara
que convida para tomar cerveja à noite do que quem chama para dar um trotezinho
(corrida em ritmo lento) à tarde.
L!: O São Paulo, com Rivaldo, escolheu melhor seu exemplo do
que Corinthians e Flamengo?
RC: Eu gosto muito do Ronaldinho. Acho um gênio jogando,
espero que possa crescer cada vez mais como pessoa. E o Ronaldo sempre foi
muito bacana comigo. Tem as polêmicas, mas quanto mais conhecido, quanto maior
a genialidade, maior o peso de suas ações.
L!: Surpreende chegar a 74 jogos consecutivos após a cirurgia
no tornozelo esquerdo, em 2009?
RC: Não surpreende, mas tem valor maior ainda. Aos 38 anos,
um ano sem ficar um minuto fora. Para mim é expressivo, mesmo sendo goleiro. O
jogo é a melhor parte da semana, mas se condicionar para ele é muito puxado. A
marca é importante e dá motivação para continuar, ver que, mesmo mais velho,
estou numa condição boa.
L!: Você mudou a rotina de atleta, de treinos, depois da
cirurgia?
RC: Muito e talvez pudesse ter mudado antes. Hoje trabalho
mais, só que diferente. Antes jogava na quarta-feira e, na quinta, estava no
campo, na linha. Diminuí as lesões porque vou à sala de musculação, corro para
não ganhar peso. Eu gostava de jogar bola e confesso que é mais agradável estar
no campo, mas é necessário entrar na banheira de gelo. Dói, é chato, mas
recupera. Pena que aprende velho, as lesões já existem. Seria melhor entender
mais jovem.
L!: Você vai entrar no Twitter?
RC: Estamos estudando. Sou péssimo em tecnologia,
computador, serve para trocar e-mails e ver notícias. Mas está sendo uma ferramenta
de aproximação com as pessoas, quem sabe em breve estaremos
"tuitando" com o pessoal.
L!: Nesses últimos anos de carreira, gostaria de atuar ao
lado de algum jogador em especial?
RC: Muitos, principalmente aqui no São Paulo. Mas tem o que
a gente gostaria e o que a gente pode. É preciso tentar juntar o mais próximo
da possibilidade com o desejo, encontrar soluções possíveis.
L!: Mas tire o pé da realidade por um instante. Pode ser
qualquer um...
RC: Gostaria de ter o Kaká de volta, o Luis Fabiano.
Gostaria que o Careca voltasse a jogar (risos). Vários com quem eu joguei.
Tenho saudade do Aloísio, Leandro, Souza, Mineiro, Josué... Todos os caras
vencedores, que é do que o torcedor também sente saudade. O Lugano! Não posso
me esquecer do Lugano. O Júnior, que veio e foi muito vencedor... Caras que
ajudaram a construir essa história vitoriosa recente.
L!: Hoje, clube e torcida se referem a você como “mito”. É
justo?
RC: Mito é Pelé, Michael Jordan... Ayrton Senna foi mito. O
mito está muito mais ligado ao pós-feito do que ao durante, é a carreira.
Alguém fez o que aquele cara fez? É um quesito para se julgar depois de tudo
que você fez na vida. Ou após o encerramento de sua atividade, ou então depois
da morte.
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