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Carlos Alberto Sardenberg
Mesmo que a abertura da Copa do Mundo de 2014 não aconteça
no estádio do Corinthians, o time paulista já está no lucro. E que lucro! Uma
arena novinha em folha, totalmente financiada com dinheiro público, parte
emprestada, parte dada. Desde já, é o primeiro dono de um belo legado da Copa.
O Corinthians tinha um terreno em Itaquera - doado pela
Prefeitura de São Paulo - e um projeto de estádio, para o qual teria de buscar
financiamento privado, como, por exemplo, está fazendo o Palmeiras em seu novo
Palestra Itália. Ao se tornar estádio da Copa e, possivelmente, do jogo
inaugural, depois de arquitetada a desclassificação do Morumbi, o
empreendimento corintiano habilitou-se aos financiamentos e incentivos
especiais. Mesmo não sendo a sede da abertura, o dinheiro público será
providenciado, pois a nova arena permanecerá como única alternativa de jogos em
São Paulo.
Eis como ficou o pacote de R$ 820 milhões para a construção
de um estádio de 48 mil lugares, com capacidade para ser ampliado para 68 mil:
o BNDES emprestará R$ 400
milhões - isso, claro, não é dinheiro dado, pois o empréstimo terá de ser pago.
Mas os juros são subsidiados e as condições gerais, melhores, por ser obra da
Copa;
e a Prefeitura de São Paulo
concederá um benefício fiscal de R$ 420 milhões. Isso é praticamente dinheiro
dado.
A propósito, cabe aqui uma
retificação. Tratamos deste assunto em artigos anteriores, salientando, então,
que incentivo fiscal não é doar dinheiro. Como isso ocorreria? O empreendimento
será administrado por um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) e construído
pela Odebrecht. O incentivo tradicional seria cancelar a cobrança dos impostos
municipais (IPTU e ISS) sobre as atividades diretas ali, no canteiro de obras.
Por exemplo: a subcontratação de pequenas construtoras não pagaria ISS.
Mas será mais do que isso. A Prefeitura emitirá uma espécie
de títulos - Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento - e os entregará para
o FII responsável pela construção da arena. Esse fundo poderá vender os
certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes
que pagariam seus impostos em dinheiro para a Prefeitura vão entregar
certificados comprados do fundo.
Por que fariam isso? Porque obviamente vão adquirir os
certificados com desconto no mercado financeiro. Assim, um certificado com
valor de face de R$ 1 milhão pode sair por, digamos, R$ 900 mil. O fundo
"corintiano" embolsa os R$ 900 mil, cash, e a outra empresa abate R$
1 milhão de ISS e IPTU. A Prefeitura recebe os títulos e os cancela. E deixa de
receber cash os R$ 420 milhões. Todo o dinheiro fica para o fundo aplicar no
estádio. Sem precisar devolver nada.
Isso não cabe na expressão "dinheiro dado"?
Há, ainda, um problema aqui. Construtora e Corinthians dizem
que o estádio sairá por R$ 820 milhões, a serem cobertos pelo financiamento do
BNDES e pelos certificados da Prefeitura. Mas como estes serão vendidos com
desconto, o fundo construtor receberá por eles algo em torno de R$ 375 milhões,
supondo um deságio de 10%. Feitas as contas, faltarão uns R$ 45 milhões para os
R$ 820 milhões orçados. De onde virá isso?
Além disso, se for confirmada como o palco do jogo de
abertura (com a Seleção Brasileira), a arena corintiana vai receber mais
investimento público. O governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 milhões e
R$ 70 milhões para instalar ali os 20 mil lugares provisórios e, assim, chegar
aos 68 mil necessários para um "estádio abertura de Copa". Como dizem
diretores do Corinthians: o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares; se a
Prefeitura e o governo estadual querem a abertura, têm de pagar por isso.
O governador Alckmin sustenta que o investimento é para
obter a abertura da Copa, evento que considera muito positivo para melhorar a
imagem mundial de São Paulo. O prefeito Kassab bate na mesma tecla. Ambos
acrescentam que o evento trará muita gente e muitos negócios para a cidade.
Será? Começa que essa conta é sempre muito duvidosa. Além
disso, o caixa do governo é um só. O dinheiro que se gasta com Copa é subtraído
de outras áreas e objetivos. Assim, cabe a questão: o que traz mais benefícios
duradouros para o contribuinte-pagador, o evento Copa ou metrô, corredores de
ônibus, escolas, hospitais, etc.?
Isso vale para todos os governos estaduais e prefeituras de
cidades-sede. Todos colocam cada vez mais dinheiro na Copa.
Políticos e governantes fazem isso alegremente, tendo a
certeza de que o povo quer a Copa e vai curti-la. Mas não pode ser assim, tão ligeiro.
O certo seria ter colocado a questão claramente ao contribuinte. Assim:
"Querem a Copa? O.k., mas é cara. Vai custar tantos bilhões de reais, a
maior parte disso virá do governo, ou seja, do seu bolso. E esse dinheiro
poderia ir para hospitais e escolas. Tudo bem?".
Não houve debate. Só se pensou naquilo: ganhar a Copa no
Maracanã. E muitos governantes garantiram que não colocariam dinheiro em
estádios e obras que não fossem permanentes. Agora, estão invertendo as
responsabilidades e os compromissos. E nos dizem: "Não queriam a Copa?
Então vamos ter de gastar, e rápido, porque já está atrasado".
Como se não fossem responsáveis por nada disso.
Todos os países gostam de fazer Copas e Olimpíadas. Alguns
fizeram bem feito, outros foram muito mal. Estamos indo pelos maus exemplos.
Mas quem sabe o debate ajude a salvar a Olimpíada.
E, para piorar tudo, a Seleção não joga bola. Já pensaram,
gastar um dinheirão, gastar mal e ainda perder?
JORNALISTA