Blog by Guedex
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Craque da Copa de 1966 doa o próprio corpo para faculdade de medicina

Reprodução: Blog do José Cruz
Marcelo Leandro Ribeiro

Doar é diferente de dar ou jogar fora. Jogar fora é se desfazer em ato de desprezo, de anúncio de inutilidade inconteste. Dar é simplesmente entregar sem se preocupar a quem, também com certo desinteresse.
Agora doar é orientar a cessão de algo, é o despojar-se de um bem ou recurso em função de uma causa maior.
Alguns doam seu tempo, recursos ou dinheiro. Fazem das doações momentos frugais e aprazíveis, rápidos como a um átimo de tempo, ou duradouros como a lembrança de um sorriso na primavera.
Ademir resolveu se doar. Literalmente. Ele que proporcionara alegrias a milhares de pessoas com seu jeito alegre, os traquejos tímidos que sumiam enquanto corria. O vai não vem sobre os zagueiros.
Aprendi a jogar futebol com ele. Nisso ele falhou, pois não me transformei em craque nem consigo acertar um lançamento de quarenta metros como faziam Gerson e Pita. Driblar então, nem pensar. Mas seus passos serenos e as histórias do seu tempo me fizeram um homem melhor. Ou nem tanto, como diria meu avô, pois me transformei em torcedor de dois santos: o glorioso São Bento de Sorocaba e o majestoso São Paulo.
Ademir jogou nos dois clubes. Na Copa de 1966, naquele fiasco histórico protagonizado pela nossa Seleção ele esteve entre os convocados. Foi um dos poucos jogadores poupados das duras críticas da torcida. No retorno não esmoreceu. Foi campeão pelo Tricolor paulista e continuou com suas atividades de jogador, o que ainda perduraria por mais uns quinze anos.
Depois que encerrou a carreira Ademir de Barros, ou o Paraná, como se tornou conhecido, sem as pompas e o dinheiro das gerações de craques de embuste que surgiriam depois dele, passou a dar aulas para garotos com e sem talento (meu caso) que gostavam de futebol. Nunca fez diferença entre seus alunos. Hoje ao menos duas gerações de sorocabanos, transformados pelo destino em médicos, engenheiros, professores ou operários o agradecem nas ruas a cada reencontro.
Ao acaso, me lembrei de um fato inusitado. Paraná resolveu ir além dos atos de entrega em vida. Doou-se sim à humanidade. Fez registrar-se em ato oficial a sua vontade de permanecer como elemento de estudo, entregando seu corpo após a morte à faculdade de medicina da PUC Sorocaba (SP).
Vísceras, tendões, músculos, cortes histológicos, pele, tudo ficará a disposição dos estudantes sorocabanos. Fará de seu corpo e da sua entrega um ato atemporal, acima dos clubes e da rivalidade do futebol. Estará além de enterros e sepulturas, ficando na lembrança com o doce sorriso de criança e o andar rápido e atencioso. Um dia quando puderem reproduzir um homem através de uma amostra, usem seu corpo: o craque permanece vivo em cada um de nós.

Para saber mais
Paraná, homenageado logo no início da carreira O atacante Paraná, que chegou à Seleção Brasileira na Copa da Inglaterra, em 1966, destacou-se, inicialmente, no São Bento, em 1964. Dali foi para o São Paulo FC, onde jogou até 1972. Foi bicampeão paulista em 1970-71.
Marcelo Leandro Ribeiro, desocupado por vocação (embora trabalhe vinte horas por dia), tem tomado de empréstimo o Blog do Cruz por pura preguiça de montar um para si. Quando resolve trabalhar é especialista em Biossegurança, consultor em saúde e segurança do trabalho, já tendo sido premiado no Brasil e no Exterior por trabalhos de combate à doenças ocupacionais.

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