Reprodução: Olhar Crônico Esportivo
Ainda não é certeza, mas já são favas contadas, dizem os
quero-quero que vivem no Morumbi: o presidente Juvenal Juvêncio será candidato
a uma terceira gestão sucessiva no São Paulo FC.
Segundo os experts nas coisas jurídicas, tal candidatura
será absolutamente legal. O jurista, ex-presidente da OAB-São Paulo,
ex-presidente do próprio clube, Carlos Miguel Aidar, é um dos que garantem a
legalidade da candidatura. Não por acaso ou coincidência, ele prestou serviços
de sua especialidade ao ex-presidente santista, Marcelo Teixeira, que ficou por
anos a e anos à frente do Santos FC.
Sem a menor dúvida, levando em conta as artimanhas jurídicas
e as espertas interpretações da lei – e aqui menciono esperteza em seu pior e
mais pobre sentido – será uma candidatura legal.
Mas será ilegítima.
Pelo simples fato de desrespeitar o espírito do estatuto do
clube, que limita o exercício da presidência a duas gestões sucessivas.
Não sou advogado e pouco entendo de leis, que limito-me a
seguir como qualquer outro cidadão. Mas a ciência jurídica, chamemos assim, não
é tão misteriosa e distante da compreensão do homem comum como a física
avançada, compreensível apenas para quem dedicou muitos anos a estudá-la com
afinco. Não, longe disso, a ciência jurídica trata das coisas do nosso
dia-a-dia e da ordenação da vida em sociedade e de nossas relações com outras
empresas, instituições e com o Estado. As leis podem e devem ser claras e
geralmente o são, se não na redação nos documentos, com certeza em seu
espírito. E é o espírito que norteia a criação e, na minha visão de cidadão
comum, deve nortear sua aplicação.
O espírito do estatuto do clube é muito claro: só pode haver
uma reeleição.
O presidente do São Paulo e seus defensores apegam-se a uma
mudança na duração dos mandatos para tentar legalizar seu pleito. Provavelmente
conseguirão, afinal de contas já estamos mais do que acostumados a ver esse
tipo de manobras no Brasil. Até um presidente da república, desculpem, até um
Presidente da República reelegeu-se graças a uma artimanha desse tipo,
manchando sua biografia, de resto, exemplar.
Exemplar é, igualmente, a biografia e a história de Juvenal
Juvêncio à frente do São Paulo, em especial a partir de 2003, quando assumiu a
direção do futebol do clube na gestão de Marcelo Portugal Gouvêa. Seu trabalho
foi, simplesmente, excepcional. Suceder a Marcelo foi algo natural, justo e
correto, e sua gestão foi perfeita…
Até que foi tomado pela obsessão de fazer do Estádio do
Morumbi a sede da Copa 2014 em São Paulo e palco do jogo de abertura. Intenção
legítima, correta e justa, até mesmo para o conjunto da sociedade, mas derrotada
pela politicalha e por interesses outros que dominam a confederação que trata
do futebol no Brasil. Por conta dessa obsessão, o presidente do São Paulo
parece ter deixado o futebol de lado, resultando num declínio acentuado da
equipe já a partir de 2008, apesar do terceiro título brasileiro consecutivo,
culminando, por enquanto, na ausência da Copa Libertadores depois de sete
participações seguidas.
Nessa hora, pergunta-se o torcedor são-paulino atento, qual
será o custo dessa nova obsessão, a reeleição?
Durante anos, notadamente durante a gestão MPG, o São Paulo
era tomado como exemplo em vários sentidos, inclusive de modernidade. Enquanto
seus co-irmãos do Trio de Ferro padeciam sob Contursi e Dualib, o Tricolor
navegava em águas plácidas e alcançava grandes conquistas, aumentando suas
receitas de forma sólida, consistente, próxima de uma situação de
sustentabilidade (este OCE entende que não há sustentabilidade de fato quando
se depende da receita de transferências para (fechar as contas”), vigiado por
uma oposição ainda forte e bastante presente. Os exemplos dos dois outros
clubes eram apontados como algo a não seguir. Democracia e rotatividade dos
nomes no poder eram destacados como coisas positivas, modernas (na verdade são
antigas, basta relermos alguns gregos e também os princípios da Revolução
Francesa e da independência dos Estados Unidos, mas para nós, brasileiros,
ainda desacostumados com isso, passam por modernas) e as derrocadas dos dois
presidentes rivais, comprometendo seriamente seus clubes, foi a constatação do
acerto da prática da democracia.
O tempo passou, como soi acontecer, e vimos uma verdadeira
inversão de papeis e valores. Nessa semana, o palmeirense respira esperança por
conta da vitória de Arnaldo Tirone (sim, ele tem ligações com Contursi, mas tem
a chance de fazer seu próprio caminho) no Palmeiras. No Corinthians, o
presidente Andrés Sanches já declarou que irá antecipar seu mandato para
permitir a posse de um novo presidente antes do início de um novo ano, de uma
nova temporada. Uma das medidas mais inteligentes que já vi na política de
nossos clubes.
E ainda em dezembro, o Sport Club Internacional elegeu seu
novo presidente através do voto de algumas dezenas de milhares de torcedores.
Isso mesmo: torcedores. Claro que todos eles donos de um
título, mas não o pomposo título de sócio-patrimonial ou parecido, que costuma
dar a meia dúzia o poder de decidir sobre a paixão de milhões.
Sócios-torcedores, que de forma democrática e extrapolando largamente a mera
área geográfica da sede do clube, votaram por uma nova direção.
Não é de estranhar, ao menos para mim e para a minha visão
de futebol e da vida, que é o Internacional o clube brasileiro de maior
destaque nesse princípio de século, ao lado do São Paulo. Com uma diferença:
enquanto no Inter o presidente Giovanni Luigi contrata um profissional
remunerado para responder pela gestão executiva do clube, o São Paulo vê-se às
voltas com as artimanhas jurídicas – opa, vou usar o termo correto, apoiado
pelo Dicionário Houaiss – então, voltando, o São Paulo vê-se às voltas com uma
chicana cujo objetivo é manter no poder quem já está no poder. De forma
indevida, levando-se em consideração o princípio que norteia o Estatuto do
clube.
Se concretizada, perderá o clube e perderá seu presidente o
direito e a legitimidade de reclamar, por exemplo, da igualmente aética, para
ficar no mínimo, permanência de Ricardo Teixeira à frente da federação que
responde por nosso futebol, que, a cada dia, fica mais correto chamar de
reinado.
Se concretizada, ficará mais verdadeiro o título de um post
deste OCE, escrito há dois anos, por outro motivo, mas já embutindo muito do
que veio a acontecer: o São Paulo retrocede.
Para desgosto de grande parte da torcida, sem a menor
dúvida, como é possível ver pelas manifestações que já vem ocorrendo pela
internet.
Em tempo: é mais do que óbvio que esse texto traz implícita
minha paixão de torcedor do clube, algo que nunca neguei e não nego, pois não
há brasileiro que goste de futebol que não goste, antes de tudo, de um clube.
Essa paixão, todavia, coincide totalmente com o que eu acredito ser fundamental
para a vida das pessoas, das nações, das instituições: o exercício permanente
da democracia e o respeito às leis.
E democracia e respeito às leis não podem coexistir com
chicanices.
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